O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acaba de lançar um novo desafio contra um dos símbolos do corporativismo dos cartórios privados brasileiros. O ministro Francisco Falcão, corregedor nacional do CNJ, deu um prazo de três meses para que os tribunais de Justiça de 13 estados, além do Distrito Federal, preparem concursos para o preenchimento das vagas ainda ocupadas em caráter provisório. Desde a Constituição de 1988, que estabeleceu a exigência do concurso, manobras jurídicas mantêm algumas das cadeiras mais cobiçadas da rede de cartórios privados ocupadas por tabeliães que herdaram esses ofícios, geralmente de parentes, de forma irregular.
Em 2010, na primeira investida contra os chamados cartórios biônicos, o CNJ declarou vaga a titularidade de 5.561 dos então 14.964 cartórios extrajudiciais brasileiros (Notas, Registro Civil, Registro de Imóveis e Protesto de Títulos). A medida ensejou uma chuva de pedidos de liminar, que acabou erguendo uma barreira aos concursos públicos. Hoje, de acordo com os números do CNJ, ainda existem 2.209 ofícios privados geridos em caráter provisório (por substitutos ou interventores), dos quais 260 estão com pendência judicial. A quantidade representa 16,5% dos 13.355 cartórios brasileiros.
Fortaleza corporativa
Em reportagem ontem, O GLOBO mostrou que os cartórios privados formam uma espécie de fortaleza corporativa, avessa à transparência. Não informam o faturamento anual e nem abrem os livros de atos, alegando o direito à privacidade. Só os ofícios extrajudiciais de São Paulo e Rio, somados, ganharam R$ 5 bilhões no ano passado, de acordo com cálculos não oficiais.
A exigência do CNJ, sob pena de abertura de processos disciplinares contra os desembargadores responsáveis, foi endereçada aos tribunais de Justiça de Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Sul, Sergipe, Tocantins e Distrito Federal. Na decisão, o ministro Falcão classificou a situação de insustentável e ordenou que os tribunais de Justiça enviem, em 15 dias, cópia da publicação da última lista de vacância na titularidade dos cartórios, outra informação misteriosa.
O CNJ não é o único cenário da queda de braço com os cartórios biônicos. Tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 471, de 2005, conhecida como PEC dos Cartórios, que efetiva, sem concurso público, os substitutos e responsáveis por cartórios designados para o cargo até novembro de 1994, desde que estejam na função nos últimos cinco anos. Em maio do ano passado, o plenário rejeitou o substitutivo da comissão especial que analisou a proposta por 283 votos contra 130 e oito abstenções.
Outra frente foi aberta no Supremo Tribunal Federal (STF), onde os biônicos tentam convencer os ministros da tese de "usucapião de função pública", baseada na ideia de que as nomeações sem concurso feitas há mais de cinco anos não poderiam ser desconstituídas, sob a alegação de boa-fé e preservação da segurança jurídica. No fim de 2010, sustentado pelo voto da relatora, ministra Ellen Gracie, o plenário rechaçou a tese, impondo a necessidade de concurso público para cartórios. Porém, foram interpostos embargos declaratórios à decisão, agora sob a relatoria da ministra Rosa Weber. O caso, atualmente, está com pedidos de vistas do ministro Dias Toffoli, que votara a favor do concurso em outras oportunidades.
- Há uma íntima relação entre a qualidade dos serviços prestados pelos cartórios à população e sua gestão por profissionais preparados e regularmente aprovados em concursos de ponta. Estados que nunca fizeram concursos amargam, de regra, um serviço de péssima qualidade, em contraste com cartórios geridos por profissionais regularmente aprovados - defende o tabelião André Guerra, presidente da Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios.
A entidade tem sido uma pedra no sapato dos cartórios biônicos. Quando a PEC dos Cartórios parecia próxima da aprovação, a associação montou trincheiras em Brasília para denunciar "uma autêntica política feudal e clientelista que remonta a práticas medievais", como descreveu Guerra, titular concursado de cartório no interior de São Paulo. Hoje, o líder do movimento pelos concursos parece mais preocupado com a evolução da campanha dos biônicos no STF:
- Com o fracasso da PEC, o discurso político foi substituído pelo discurso jurídico; o Parlamento foi trocado pelos tribunais.
Já o tabelião Rogério Bacellar, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg BR), que tem entre os associados oficiais em situação provisória, garante que a entidade apoia e defende plenamente a realização de concursos públicos para provimento dos ofícios e reitera a importância da fiscalização para que sejam realizados da forma correta e no prazo da lei.
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